“Está cada vez mais evidente neste vale-tudo que os propósitos do governo são outros: visam a redução do alcance da proteção social e dificultar o acesso à aposentadoria do trabalhador”
O ano de 2017 chegou ao fim marcado pela luta em torno desta que é considerada pela equipe econômica do governo como a mais importante das reformas: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, a PEC da Previdência.
Com o slogan de “combate aos privilégios”, a primeira fase da campanha publicitária da chamada emenda aglutinativa contabilizou em novembro passado um gasto de R$ 25 milhões aos cofres públicos.
Importante recordar que, segundo informações disponíveis no portal da Lei de Acesso à Informação (LAI), a União gastou R$ 100 milhões em comunicação institucional, de janeiro a junho do ano passado, para convencer sobre a necessidade da reforma.
Tem pesado no bolso da União a estratégia de jogar a população contra os servidores públicos, profissionais que dedicam toda a sua vida ao Estado, sendo os das carreiras típicas exclusivos à função, e que garantem o seu funcionamento em todos os níveis federativos. São eles que combatem a sonegação e a corrupção, incluindo aqui os que por meio de acordos de colaboração e leniência celebrados no âmbito da Operação Lava Jato foi possível restituir no início de dezembro último R$ 653,9 milhões para os cofres da maior estatal brasileira.
Além da caríssima e difamatória campanha publicitária, a equipe de governo usa velhas práticas de concessões, como promessas de liberação de emendas individuais, instalando no Planalto e no Congresso uma espécie de balcão de negócios, como bem questionaram sete governadores do Nordeste, no apagar das luzes de 2017.
A dificuldade para conseguir apoio político, com incertezas até em sua base, resultou em um projeto de lei aprovado no dia 22 do mesmo mês, que autoriza o repasse de R$ 99 milhões. Para quê? Mais publicidade para convencer, a qualquer custo, a aprovação da reforma, agora, na forma da Lei 13.528/2017.
Certa da sua atuação como fiscal da lei e na defesa de interesses difusos, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, ajuizou, em seguida, Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 5863) no STF, contra a dotação orçamentária. Certíssima está a procuradora-geral com esse entendimento. Para ela, a comunicação pública deve ter caráter estratégico não apenas para os governos, mas, e sobretudo, para a cidadania.
Está cada vez mais evidente neste vale-tudo que os propósitos do governo são outros: visam a redução do alcance da proteção social e dificultar o acesso à aposentadoria do trabalhador.
A previdência do setor público já passou por três reformas (além da instituição da Previdência Complementar). Portanto, é necessário respeitar a validade e a eficácia das Emendas Constitucionais 20/98, 41/2003 e 47/2005, especialmente nas regras de transição por elas criadas e, agora desprezadas no novo texto da emenda aglutinativa. A integralidade e a paridade, tão criticadas nas campanhas, foram extintas na EC 41.
Ao exigir de todos os servidores vinculados aos Regimes Próprios de Previdência Social que o tempo mínimo de contribuição passe de 15 para 25 anos, o novo texto representa um grave atentado ao princípio da isonomia e da segurança jurídica; será, sem dúvida nenhuma, questionado no STF. Bom lembrar que, desde 1998, os servidores têm que ter idade mínima para se aposentar (60 anos para homens e 55 para mulheres).
É inconcebível a tentativa do governo de igualar os regimes previdenciários, pois trazem diferenças substanciais em suas regras. Qual o objetivo do governo com essas campanhas publicitárias milionárias e falaciosas?
Elas omitem, por exemplo, que os servidores que ingressaram a partir de 4 de fevereiro de 2013 estão no teto da aposentadoria do INSS e pagam planos privados de previdência complementar. E, para os que ingressaram antes desse mesmo ano, contribuem com 11% do total da sua remuneração e continuam contribuindo na aposentadoria até a morte.
Antes de alterar as regras das aposentadorias de milhões de brasileiros, o governo precisa atuar no combate à corrupção, às sonegações no sistema previdenciário (leia-se cobrar das grandes empresas), implementar a efetiva cobrança da dívida ativa da União (cerca de R$ 340 bilhões), rediscutir os excessos de benefícios (R$ 56 bilhões por ano), além dos parcelamentos tributários e da DRU (Desvinculação de Recursos da União) que retira 30% dos recursos — que, por lei, deveriam ir para seguridade social, cujo valor deste ano deve chegar a R$ 32 bilhões. Essa distorção da DRU, inclusive, foi reconhecida no novo texto.
Se levarmos em conta o número de ações judiciais atuais e as que estão no caminho, negociações e movimentos nesse jogo de xadrez pela aprovação da PEC 287, o segundo round dessa batalha será ainda mais tenso.
Por Roberto Kupski
Congresso em Foco