Matéria do jornal Correio Braziliense diz que queixas de assédio moral aumentam, mas processos diminuem. A redução na formalização pode estar relacionada ao constrangimento ou ao medo de arcar com as custas das ações, depois da reforma trabalhista, afirma o texto. As reclamações entre celetistas e servidores públicos sobre assédio moral no trabalho aumentaram significativamente nos últimos meses, segundo entidades sindicais.
No entanto, de acordo com a matéria, as queixas não têm se transformado em processos formais. Os trabalhadores narram situações de agressão verbal, humilhação, deboche, ironia e ameaça de superiores, colegas e até de subordinados. O fato, a princípio, poderia revelar uma contradição ou exagero dos reclamantes. Para especialistas, porém, é um sinal de alerta sobre medo ou repressão, que não deve ser ignorado, ou ainda, um efeito da reforma trabalhista, que transferiu para o trabalhador o ônus dos custos das causas trabalhistas perdidas.
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), o juiz Guilherme Feliciano acredita que a queda de registros formais de denúncias não expressa retração da prática de assédio, mas pode significar constrangimento, comenta a matéria. “Pelo contrário, indica até um agravamento. Como se pode evidenciar se é uma coisa ou outra? Observando as circunstâncias”, pondera.
Número de processos
Se houve ações de fiscalização, apuração e incentivo à denúncia, as medidas poderão ter reflexo positivo, afirma. “Diante de uma cultura autoritária e agressiva, se estabelece uma barreira, no sentido de que é melhor se calar do que denunciar, principalmente para ocupantes de cargos de comissão e funções de confiança (no caso de servidores públicos). Para não ter problemas, as pessoas se retraem. E isso é péssimo”, diz o magistrado.
A queda no número de processos formalizados aparece no levantamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST), diz o Correio Braziliense. Em janeiro de 2016, dos 106.916 processos novos que deram entrada nas varas de todo o país, relativos a todas as categorias, 11.088 (10,4%) se referiam a assédio moral. Em janeiro de 2019, o número caiu para 85.550, sendo 3.358 (5,4%) relativos a assédio moral.
Um detalhe chama a atenção nos dados do TST, enfatiza a matéria: em novembro de 2017, o número de processos, no geral, praticamente dobrou (207.084), da mesma forma que a quantidade de demandas jurídicas contra o assédio moral (17.460, equivalente a 8,4%). No mês seguinte, a redução foi drástica. O total de ações novas desabou para 45.532, e as de assédio caíram para 2.721 (5,9%). Por categoria, comércio e indústria estão na frente, com 2.015 e 2.110 registros em 2016. Em dezembro de 2018, ambas tiveram 256 e 910 processos registrados, respectivamente.
A administração pública (celetistas), de acordo com o TST, teve 74 novos registros de assédio moral em janeiro de 2016, 116 em janeiro de 2017, alcançando o pico de 218 em novembro daquele ano, mas, em 2018, os registros caíram para 16 em janeiro.
No serviço público federal, entre os efetivos, de acordo com as estatísticas da Controladoria-Geral da União (CGU), de 1° de janeiro de 2014 até o dia 11 de abril de 2019, foram registrados 906 processos que tratam de assédio. Destes, 82,5% (747), de assédio moral, 14,9% (135), de assédio sexual e 2,6% (24), de ambos.
Período de transição
No período, 278 processos foram julgados e 94 servidores foram punidos. Mas a súbita queda também foi observada. Nos três primeiros meses de 2014, 21 processos foram instaurados. Em 2015, 36. Em 2016, foi o máximo de 54. Em 2017, caiu para 37, chegando a 30, em 2018. Em 2019, de janeiro a março, apenas oito.
“Os dados apontam para o que a Anamatra vem alertando. As pessoas sequer tentam uma indenização, em alguns casos, em consequência da determinação da reforma trabalhista, que entrou em vigor em 11 de novembro de 2017, exigindo da parte perdedora o pagamento dos honorários de sucumbência”, explicou Feliciano. Houve ações em que juízes determinaram que trabalhadores pagassem os advogados dos patrões em causas que ultrapassaram R$ 2,2 milhões.
O corregedor-geral da União, Gilberto Waller Júnior, destaca que “toda e qualquer pessoa que se sinta assediada moral ou sexualmente pode denunciar de forma anônima”. Ele atribui a redução da formalização de processos de servidores públicos federais, no primeiro trimestre deste ano, ao período de transição do governo e às substituições de chefias. “As pessoas estão aguardando para ver o que vai acontecer. Não acho que é por medo. Os canais se mantiveram abertos e o serviço público tem feito campanhas de conscientização e de valorização do servidor”, afirma.
Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), que representa 80% do funcionalismo (mais de 800 mil ativos, aposentados e pensionistas), garante que o assédio moral está cada vez mais frequente e tem mobilizado os sindicatos. “Nunca vi tantos casos. O servidor chega amedrontado. É uma dificuldade para ele se abrir. Muitos dizem que são chamados de idiotas, burros, entre outros nomes não publicáveis. Não se trata de medo de perder chefias. É um pavor total da perseguição e da discriminação em todos os níveis”.
Projeto de Lei
A psicóloga Laene Pedro Gama, da Universidade de Brasília (UnB), diz que o assédio moral é “a patologia da solidão”. Porque a pessoa é isolada até pelos colegas, emudece, não consegue falar, e às vezes até se culpa.“É por isso que esses casos não afetam as estatísticas. As pessoas sofrem e, quando a humilhação é grande, se perguntam até que ponto não provocaram aquela atitude”, alerta Laene. A estratégia do assediador é justamente destruir os laços sociais e barganhar a adesão dos colegas do assediado, tendo em vista que sabe que todos precisam do emprego ou do dinheiro extra do cargo em comissão.
Quando não existem mecanismos internos de defesa contra o assédio, na iniciativa privada ou no serviço público, ou eles foram ineficientes, resta o Judiciário. Segundo explicou Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra, assédio moral, hoje, no Brasil, não é crime.
“O deputado Luiz Flávio Gomes (PSD-SP) apresentou um projeto de lei para criminalizar o assédio moral, que pode ser vertical, do superior para o subordinado; horizontal, o colega boicotando diminuindo o outro por meio de fofoca; e também ascendente, do subordinado contra o chefe. Empresários e gestores também têm que tomar cuidado com a “gestão por injúria”, por exemplo, castigando os que não atingem metas ou elogiando muito um funcionário em detrimento de outro.
Fonte: Portal Vermelho