A expansão dos lobbies e o controle dos sistemas de informação representam alguns dos instrumentos da captura do poder político pelas grandes corporações.
Ladislau Dowbor*
“A política mudou de lugar: a globalização desafia radicalmente os quadros de referência da política, como prática e teoria”
Octávio Ianni
“Capture is more subtle and no longer requires a transfer of funds, since the politician, academic or regulator has started to believe that the world works in the way that bankers say it does”
Joris Luyendijk
A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade e a manipulação do ensino acadêmico representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva em última instância a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos. As dinâmicas de poder político, econômico e cultural estão sendo reorientadas, gerando uma nova configuração que se trata de estudar. É o pano de fundo de uma sociedade em busca de novos caminhos de gestão.
Olhar o século 21 pelas lentes do século passado não ajuda. Quando pensamos o mundo da economia, pensamos ainda em interesses econômicos e mecanismos de mercado. A política, o poder formal, os impostos, o setor público em geral representariam outra dimensão. Não é nova a ruptura destas fronteiras, a penetração dos interesses de grupos econômicos privados na esfera pública. O que é novo, é a escala, a profundidade e o grau de organização do processo. O que já foram deformações fragmentadas, penetrações pontuais através de lobbies, de corrupção e de “portas-giratórias” entre o setor privado e o setor público se avolumaram, e por osmose estão se transformando em poder político articulado em que o interesse público é que aflora apenas por momentos e segundo esforços prodigiosos de manifestações populares, de frágeis artigos na mídia alternativa, de um ou outro político independente. O poder corporativo se tornou sistêmico, capturando uma a uma as diversas dimensões de expressão e exercício de poder, e gerando uma nova dinâmica, ou uma nova arquitetura do poder realmente existente.
Uma forma é a própria expansão dos tradicionais lobbies. A Google, por exemplo, tem hoje 8 empresas de lobby contratadas apenas na Europa, além de financiamento direto de parlamentares e de membros da Comissão. É provável que tenha de pagar 6 bilhões de euros por ilegalidades cometidas na Europa. Os gastos da Google nesta área já se aproximam dos da Microsoft. Google mobilizou congressistas americanos para pressionarem a Comissão: “O esforço coordenado por senadores e membros do Congresso, bem como de um comité de congressistas, fez parte de um esforço sofisticado, com muitos milhões de libras em Bruxelas, com que a Google montou a ofensiva para travar as resistências à sua dominação na Europa.”
Enquanto os lobbies ainda podem ser apresentados como formas externas de pressão, muito mais importante é o financiamento direto de campanhas políticas, através de partidos ou investindo diretamente nos candidatos. No Brasil a lei promulgada em 1997 autorizou as empresas a financiar candidatos, com impactos desastrosos em particular no comportamento de parlamentares, que passaram a formar bancadas corporativas. Em 2010 os Estados Unidos seguiram o mesmo caminho, levando a que hoje os americanos comentem que “temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”. No Brasil finalmente o STF decretou a ilegalidade da prática, a valer a partir das próximas eleições. Mas em 2015 ainda temos uma bancada ruralista, além da grande mídia, das empreiteiras, dos bancos, das montadoras, e contam-se nos dedos os representantes do cidadão. O truncamento do Código Florestal e consequente retomada da destruição da Amazônia, o bloqueio da taxação de transações financeiras e tantas outras medidas, ou ausência de medidas como é o caso da imposição sobre fortunas ou capital improdutivo, resultam desta nova relação de forças que um Congresso literalmente comprado permite.
A captura da área jurídica adquiriu imensa importância, e se dá por várias formas. Foi notória a tentativa dos grandes bancos brasileiros, por meio de financiamentos de diversos tipos, de colocar as atividades financeiras fora do alcance do PROCON e de outras instâncias de defesa do consumidor. Nos Estados Unidos, um juiz de uma comarca americana decide colocar a Argentina na ilegalidade no quadro dos chamados “fundos abutres”, pondo-se claramente a serviço da legalização da especulação financeira internacional, e acima da legislação de outro país.
Uma forma particularmente perniciosa de captura do judiciário se deu através dos acordos ditos “settlements”, acordos pelos quais as corporações pagam uma multa mas não precisam reconhecer a culpa, evitando assim que os administradores sejam criminalmente responsabilizados. Assim os administradores corporativos e financiadores ficam tranquilos em termos de eventuais condenações. Joseph Stiglitz comenta: “Temos notado repetidas vezes que nenhum dos responsáveis encarregados dos grandes bancos que levaram o mundo à borda da ruina foi considerado responsável (accountable) dos seus malfeitos. Como pode ser que ninguém seja responsável? Especialmente quando houve malfeitos da magnitude dos que ocorreram nos anos recentes?” Elizabeth Warren, senadora americana, traz no seu curto estudo uma excelente descrição dos mecanismos, com nomes das empresas.
A GSK, por exemplo, um gigante da área farmacêutica, fez um acordo com a justiça americana para compensar fraude generalizada com três tipos de medicamentos pagando 3 bilhões de dólares. A notícia da condenação por fraude que atingiu milhões de pacientes não causou prejuízo significativo à empresa, cujas ações subiram ao se constatar que tinha lucrado com a fraude mais do que o valor da multa. Os aplicadores financeiros consideraram que o seu dinheiro fora bem defendido. Esta desresponsabilização é hoje generalizada, abrindo uma porta paralela de financiamento de governos graças às ilegalidades. Para dar alguns exemplos, o Deutsche Bank está pagando uma multa de 2,6 bilhões de dólares em 2015, o Crédit Suisse está pagando 2,5 bilhões por condenação em 2014 e assim por diante, envolvendo todos os gigantes corporativos. Um exercício de sistematização da criminalidade financeira pode ser encontrado no site Corporate Research Project, que apresenta as condenações e acordos agrupados por empresa. George Monbiot chama isto de “um sistema privatizado de justiça para as corporações globais” e considera que “a democracia é impossível nestas circunstâncias”. (252)
Hoje as corporações dispõem do seu próprio aparato jurídico, como o International Centre for the Settlement of Investment Disputes (ICSID) e instituições semelhantes em Londres, Paris, Hong Kong e outros. Tipicamente, irão atacar um país por lhes impor regras ambientais ou sociais que julgam desfavoráveis, e processá-lo por lucros que poderiam ter tido. A disputa jurídica constitui uma dimensão essencial dos tratados TTIP (Transatlantic Trade and Investment Partnership) na esfera do Atlântico e TPP (Trans-Pacific Partnership) na esfera do Pacífico, ao amarrar um conjunto de países com regras internacionais em que os Estados nacionais perderão a capacidade de regular questões ambientais, sociais e econômicas, e muito particularmente, as próprias corporações. Pelo contrário, serão as próprias corporações a impor-lhes, e a nós todos, as suas leis. Nas palavras de Luís Parada, um advogado de governos em litígio com grupos mundiais privados, “a questão finalmente é de saber se um investidor estrangeiro pode forçar um governo a mudar as suas leis para agradar ao investidor, em vez de o investidor se adequar às leis que existem no país.”
Outro eixo poderoso de captura do espaço político se dá através do controle organizado da informação, construindo uma fábrica de consensos onde Noam Chomsky nos deu análises preciosas. O alcance planetário dos meios de comunicação de massa, e a expansão de gigantes corporativos de produção de consensos permitiram que se atrasasse em décadas a compreensão popular do vínculo entre o fumo e o câncer, que se travasse nos Estados Unidos a expansão do sistema público de saúde, que se vendesse ao mundo a guerra pelo controle do petróleo como uma luta para libertar a população iraquiana da ditadura e para proteger o mundo de armas de destruição em massa. A escala das mistificações é impressionante.
Ofensiva semelhante em escala mundial, e em particular nos EUA, foi organizada para vender ao mundo não a ausência da mudança climática – os dados são demasiado fortes – mas a suposição de que “há controvérsias”, adiando ou travando a inevitável mudança da matriz energética. James Hoggan realizou uma pesquisa interessante sobre como funciona esta indústria. A articulação é poderosa, envolvendo os think tanks, instituições conservadoras como o George C. Marshall Institute, o American Enterprise Institute (AEI), o Information Council for Environment (ICE), o Fraser Institute, o Competitive Enterprise Institute (CEI), o Heartland Institute, e evidentemente o American Petroleum Institute (API) e o American Coalition for Clean Coal Electricity (ACCCE), além do Hawthorne Group e tantos outros. A ExxonMobil e a Koch Industries são poderosos financiadores, esta última aliás grande articuladora do Tea Party e da candidatura Trump. Sempre petróleo, carvão, produtores de carros e de armas, muitos republicanos e a direita religiosa.
Campanhas deste gênero são veiculadas por gigantes da mídia. No Brasil, 97% dos domicílios têm televisão, que ocupa 3 a 4 horas do nosso dia, e que está presente nas salas de espera, nos meios de transporte, incessante bombardeio que parte de alguns poucos grupos. No nível mundial, Rupert Murdoch assume tranquilamente ser o responsável pela ascensão e suporte a Margareth Thatcher, financiou um sistema de escutas telefônicas em grande escala na Grã-Bretanha, sustenta um clima de ódio de direita através da Fox, sem receber mais que um tapinha na mão quando se revelam as ilegalidades que pratica. No Brasil, com o controle da nossa visão de mundo por quatro grupos privados – os Marinho, Civita, Frias e Mesquita – o próprio conceito de imprensa livre se torna surrealista, e os impactos na Argentina, no Chile, na Venezuela e outros países são impressionantes em termos de promoção das visões mais retrógradas e de geração de clima de ódio social.
A vinculação da dimensão midiática do poder com o sistema corporativo mundial é em grande parte indireta, mas muito importante. As campanhas de publicidade veiculadas empurram incessantemente comportamentos e atitudes, centradas no consumismo obsessivo dos produtos das grandes corporações. Isto amarra a mídia de duas formas: primeiro, porque pode dar más notícias sobre o governo, mas nunca sobre as empresas, mesmo quando entopem os alimentos de agrotóxicos, deturpam a função dos medicamentos ou nos vendem produtos associados com a destruição da floresta amazônica. Segundo, como a publicidade é remunerada em função de pontos de audiência, a apresentação de um mundo cor de rosa de um lado, e de crimes e perseguições policiais de outro, tudo para atrair a atenção pontual e fragmentada, torna-se essencial, criando uma população desinformada ou assustada, mas sobretudo obcecada com o consumo, o que remunera com nosso dinheiro as corporações que financiam estes programas. O círculo se fecha, e o resultado é uma sociedade desinformada e consumista. A publicidade, o tipo de programas e de informação, o consumismo e o interesse das corporações passam a formar um universo articulado e coerente, ainda que desastroso em termos de funcionamento democrático da sociedade. (217)
Além dos think tanks e do controle da mídia, o controle das próprias visões acadêmicas avançou radicalmente nas últimas décadas, por meio dos financiamentos corporativos diretos, e em particular pelo controle das publicações científicas. Em muitos países, e particularmente no Brasil, as universidades privadas passaram a ser propriedade de grupos transnacionais que trazem a visão corporativa no seu bojo. A dinâmica é particularmente sensível nos estudos de economia. Helena Ribeiro traz um exemplo desta deformação profunda do ensino na universidade Notre Dame de Nova Iorque, onde “dado que corria o ano de 2009 e o mundo financeiro estava a colapsar aos olhos de todos, os alunos pensaram que este seria um excelente tema para ser debatido na aula de macroeconomia. A resposta do professor: “Os estudantes foram laconicamente informados que o tema não constava do conteúdo programático da disciplina, nem era mencionado na bibliografia afixada e que, por isso, o professor não pretendia divergir da lição que estava planeada. E foi o que fez”. O artigo de Ribeiro mostra as dimensões desta deformação, mas também os protestos dos alunos e a multiplicação de centros alternativos de pesquisa econômica, como o New Economics Foundation, a Young Economists Network, o Institute of New Economics Thinking e numerosas outras instituições.
Menos percebido mas igualmente importante é a oligopolização do controle das publicações científicas no mundo. Segundo estudo canadense, “nas disciplinas das ciências sociais, que incluem especialidades tais como sociologia, economia, antropologia, ciências políticas e estudos urbanos, o processo é impressionante: enquanto os 5 maiores editores eram responsáveis por 15% dos artigos em 1995, este valor atingiu 66% em 2013”. Temos aqui o domínio impressionante de Reed-Elsevier (hoje boicotado por mais de 15 mil cientistas americanos), Springer, Wiley-Blackwell, e poucos mais. (Larivière, 2015)
A este conjunto de mecanismos de captura do poder temos de acrescentar a erosão radical da privacidade nas últimas décadas. Hoje o sangue da nossa vida trafega em meios magnéticos, deixando rastros de tudo que compramos ou lemos, da rede dos nossos amigos, os medicamentos que tomamos, o nosso nível de endividamento. As empresas têm acesso à gravidez de uma funcionária, através da compra de informações dos laboratórios. A defesa dos grandes grupos de informação sobre as pessoas é de que se trata de informações “anonimizadas”, mas a realidade é que os cruzamentos dos rastros eletrônicos permitem individualizar perfeitamente as pessoas, influindo em potencial perseguição política ou dificuldades no emprego. Mas o acesso às informações confidenciais das empresas também fragiliza radicalmente grupos econômicos menores frente aos gigantes que podem ter acesso às comunicações internas. Não se trata apenas de alto nível de espionagem, como se viu na gravação de conversas entre Dilma e Merkel. Trata-se de todos nós, e com o apoio de um sistema mundial de captura e tratamento de informações do porte da NSA. O Big Brother is Watching You deixou de ser apenas literatura.
A expansão dos lobbies, a compra dos políticos, a invasão do judiciário, o controle dos sistemas de informação da sociedade, a manipulação do ensino acadêmico e a invasão da privacidade representam alguns dos instrumentos mais importantes da captura do poder político geral pelas grandes corporações. Mas o conjunto destes instrumentos leva em última instância a um mecanismo mais poderoso que os articula e lhe confere caráter sistêmico: a apropriação dos próprios resultados da atividade econômica, por meio do controle financeiro em pouquíssimas mãos.
Vejamos agora um pouco o que são estas grandes corporações. É surpreendente, mas até 2012 não tínhamos nenhum estudo global de como funciona a rede mundial de controle corporativo. O Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica, um tipo de MIT da Europa, selecionou 43 mil grupos mundiais mais importantes e estudou em profundidade como se dá, através de participações cruzadas e de fusões interempresariais, o controle do conjunto. Chegou a uma cifra impressionante que mudou a visão que temos do sistema econômico mundial: 737 grupos apenas controlam 80% do mundo corporativo, sendo que nestes um núcleo de 147 controla 40%. Estes últimos gigantes são essencialmente (75%) grupos financeiros. Ou seja, não precisam controlar diretamente o processo decisório, seguram o sistema, digamos assim, pelas partes delicadas, que é o acesso aos recursos. Um grupo tão limitado não precisa fazer conspirações misteriosas, são pessoas que se conhecem no campo de golfe ou no Open de Tênis da Austrália, se ajeitam confortavelmente entre si. Os autores da pesquisa concluem claramente que falar em mecanismos de mercado neste clube restrito não faz muito sentido.
François Morin, assessor do banco central da França, concentra a sua análise na forma como os 28 maiores gigantes financeiros se articulam. Na análise estão todos: JPMorgan Chase, Bank of America, Citigroup, HSBC, Deutsche Bank, Santander, Goldman Sachs e outros, com um balanço de mais de 50 trilhões de dólares em 2012, quando o PIB mundial foi de 73 trilhões. A relação com os Estados é particularmente interessante, pois a dívida pública mundial, de 49 trilhões, está no mesmo nível que o faturamento dos 28 grupos financeiros que Morin analisa, também da ordem de 50 trilhões. Os Estados, fruto do endividamento público com gigantes privados, viraram reféns e tornaram-se incapazes de regular este sistema financeiro em favor dos interesses da sociedade. “Face aos Estados fragilizados pelo endividamento, o poder dos grandes atores bancários privados parece escandaloso, em particular se pensarmos que estes últimos estão, no essencial, na origem da crise financeira, logo de uma boa parte do excessivo endividamento atual dos Estados”. (Morin, 36)
O poder político apropriado pelo mecanismo da dívida constitui uma parte muito importante do mecanismo geral. Os grandes grupos financeiros têm suficiente poder para impor a nomeação dos responsáveis em postos chave como os bancos centrais ou os ministérios da fazenda, ou ainda nas comissões parlamentares correspondentes, com pessoas da sua própria esfera, transformando pressão externa em poder estrutural internalizado. A política sugerida aos governos é de que é menos impopular endividar o governo do que cobrar impostos. “Estas instituições financeiras são as donas da dívida do governo, o que lhes confere poder ainda maior de alavancagem sobre as políticas e prioridades dos governos. Exercendo este poder, elas tipicamente demandam a mesma coisa: medidas de austeridade e ‘reformas estruturais’ destinadas a favorecer uma economia de mercado neoliberal que em última instância beneficia estes mesmos bancos e corporações”. É a armadilha da dívida. (Marshall)
Os 28 controlam igualmente os chamados derivativos, essencialmente especulação com variações de mercados futuros: o volume atingido em 2015 é de mais de 600 trilhões de dólares, 8 vezes o PIB mundial. Se pensarmos que tantos países aceitaram de reduzir os investimentos públicos e as políticas sociais, inclusive o Brasil, para satisfazer este pequeno mundo financeiro, não há como não ver a dimensão política que sistema assumiu. Os grandes traders de commodities controlam nada menos que o comércio dos grãos (milho, trigo, arroz, soja), os minerais metálicos, os minerais não metálicos e os recursos energéticos, ou seja, o sangue da economia mundial. As gigantescas variações dos preços do petróleo, por exemplo, não resultam de variações da produção ou do consumo, muito estáveis na escala planetária, mas dos processos especulativos dos gigantes financeiros.
O sistema é hoje articulado. Um aporte particularmente forte de François Morin é a análise de como este grupo de bancos foram se dotando, a partir de 1995, de instrumentos de articulação, a GFMA (Global Financial Markets Association), o IIF (Institute of International Finance), a ISDA (International Swaps and Derivatives Association), a AFME (Association for Financial Markets in Europe) e o CLS Bank (Continuous Linked Settlement System Bank). Morin apresenta em tabelas como os maiores bancos se distribuem nestas instituições. O IIF, por exemplo, “verdadeira cabeça pensante da finança globalizada e dos maiores bancos internacionais”, constitui hoje um poder político assumido: “O presidente do IIF tem um status oficial, reconhecido, que o habilita a falar em nome dos grandes bancos. Poderíamos dizer que o IIF é o parlamento dos bancos, seu presidente tem quase o papel de chefe de estado. Ele faz parte dos grandes tomadores de decisão mundiais”. (Morin, 61)
Um instrumento particularmente importante deste poder reside no uso dos paraísos fiscais, que a partir da crise de 2008 foram suficientemente estudados para que tenhamos hoje os contornos do seu funcionamento. Basicamente, para um PIB mundial da ordem de 73 trilhões de dólares em 2012, o estoque de recursos financeiros em paraísos fiscais se situou entre 21 e 32 trilhões de dólares segundo a Tax Justice Network, cifra que o Economist arredonda para 20 trilhões. Para se ter uma ideia dos valores, a grande decisão da cúpula mundial sobre o clima, em Paris em 2015, foi de alocar até 2020 100 bilhões de dólares anuais para salvar o planeta do aquecimento global: duzentas vezes menos do que está aplicado em paraísos fiscais, capital improdutivo e em grande parte ilegal. Os arquivos do Panamá abrem apenas uma janela do processo, mas mostram como dezenas de milhares de corporações fictícias geraram o caos financeiro atual. O caos no sistema financeiro do Brasil é apenas um fragmento deste processo mundial.
Estes recursos são hoje vitalmente necessários para financiar a reconversão tecnológica que nos permita de parar de destruir o planeta e para assegurar a inclusão produtiva de bilhões de marginalizados, reduzindo desigualdade que atingiu níveis explosivos. Com o grau presente de captura do processo decisório sobre a alocação de recursos, privou-se os Estados de qualquer controle: praticamente todas as grandes corporações têm filiais ou empresas “laranja” nos paraísos fiscais, onde o dinheiro simplesmente desaparece em termos formais, para reaparecer com nomes de outras empresas, gerando um espaço “branco” onde o seguimento do fluxo financeiro se interrompe, permitindo toda classe de ilegalidades, e em particular a evasão fiscal e inúmeras atividades ilegais como o comércio de armas e drogas.
Com o poder hoje muito mais na mão dos gigantes financeiros do que das empresas produtoras de bens e serviços, estas últimas passaram a se submeter a exigências de rentabilidade financeira que impossibilitam iniciativas, no nível dos técnicos que conhecem os processos produtivos da economia real, de preservar um mínimo de decência profissional e de ética corporativa. Temos assim um caos em termos de discrepância com os interesses de desenvolvimento econômico e social, mas um caos muito direcionado e lógico quando se trata de assegurar um fluxo maior de recursos financeiros para o topo da hierarquia. A sua competição caótica pode levar a crises sistêmicas, mas quando se trata de travar iniciativas de controle ou regulação estas corporações reagem de forma unida e organizada.
De que dimensões estamos falando? As corporações financeiras classificadas no SIFI (Systemically Important Financial Institutions) trabalham cada uma com um capital consolidado médio (consolidated assets) da ordem de $1.82 trilhões para os bancos e $0,61 trilhões para as seguradoras analisadas. Para efeitos de comparação lembremos que o PIB do Brasil, 7ª potência mundial, é da ordem de $1,4 trilhões. Mais explícito ainda é lembr