Qui, 08 de Dezembro de 2011
O Senado aprovou, na noite desta quarta-feira (7), a proposta que regulamenta as aplicações mínimas do governo federal, dos estados e municípios na saúde, como determina a Emenda 29. De acordo com o texto aprovado e que vai à sanção presidencial, a União destinará à saúde o valor aplicado no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) dos dois anos anteriores ao que se referir a lei orçamentária.
A substitutivo da Câmara dos Deputados ao PLS 121/07 – Complementar regulamenta a Emenda Constitucional 29/2000 e foi um dos grandes embates, neste ano, entre a base do governo e a oposição.
Na prática, em 2012, a União aplicará o empenhado em 2011 mais a variação do PIB de 2010 para 2011, somando cerca de R$ 86 bilhões. A medida equivale ao que já é feito atualmente no governo federal. Os estados, por outro lado, serão obrigados a destinar 12% das suas receitas na saúde, e os municípios, 15%. O Distrito Federal deverá aplicar 12% ou 15%, conforme a receita seja originária de um imposto de base estadual ou municipal.
Destaques
Destaque aprovado por 62 votos a 9 retirou do texto os dispositivos relativos à possibilidade de criação de uma contribuição social destinada à saúde, a chamada CSS, interpretada pela oposição como a recriação da Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira (CPMF).
Igualmente por destaque, foi retirada do texto a vinculação de 10% das receitas brutas da União para a saúde, prevista no projeto original. Também foi reincorporada ao texto a inclusão, na base de cálculo do montante de recursos que os estados aplicarão em saúde, dos recursos do Fundo de Valorização dos Profissionais de Educação (Fundeb). Com isso, foi mantido o repasse de R$ 7 bilhões do Fundeb para o setor de saúde.
Além de dispor sobre os valores mínimos a serem aplicados anualmente pela União, estados, Distrito Federal e municípios em ações e serviços públicos de saúde, o texto estabelece os critérios de rateio dos recursos de transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas três esferas de governo.
Embate
O relator da matéria e líder do PT, senador Humberto Costa (PE), apresentou seu parecer em Plenário. Ele manteve o texto conforme foi reenviado da Câmara dos Deputados ao Senado, e disse ser possível depreender que o substitutivo oferece, em geral, soluções mais satisfatórias à regulamentação do parágrafo 3º do artigo 198 da Constituição Federal. Enquanto Humberto Costa defendia o substitutivo da Câmara, a oposição insistia no texto original, do então senador Tião Viana (PT-AC).
– Apenas um dispositivo merece ser destacado: não podemos aceitar a nova regra acrescida pelo Substitutivo da Câmara dos Deputados – a vigorar pelos próximos cinco exercícios financeiros – para o cálculo do montante de recursos que os estados e o Distrito Federal aplicarão em saúde, segundo a qual são excluídos da sua base de cálculo os recursos distribuídos para compor o Fundeb – assinalou.
Humberto Costa disse que ficaria muito feliz se pudesse estabelecer uma vinculação de 10% das receitas bruta da União para a área da saúde, embora ainda não fosse o suficiente para atingir os padrões de gastos públicos de outros países que têm sistemas de saúde semelhantes ao brasileiro. Mas declarou não ser possível vincular esses recursos, que representariam uma injeção de mais R$ 35 bilhões para o setor da saúde.
O senador traçou um paralelo entre o momento em que o Senado aprovou o PLS 121/2007 – Complementar, e o atual. Segundo ele, todos se esquecem de dizer que, naquele momento, existia a CPMF e, se existisse hoje, seria fácil estabelecer a vinculação de 10% para a União, pois o governo contaria com mais R$ 50 bilhões ou R$ 60 bilhões por ano. O senador disse que o Congresso Nacional precisa debater a criação de novas fontes de receita para a saúde.
– Dinheiro não nasce em árvore, minha gente. Só se consegue se a sociedade estiver convencida e der a sua contribuição para isso – afirmou.
Em aparte, o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP) afirmou que o líder do PT cometeu um erro cronológico, pois a CPMF foi extinta em dezembro de 2007 e o PLS 121/2007 foi aprovado em 9 de abril de 2008. Aloysio Nunes assinalou que, desde o fim da CPMF, a arrecadação do governo federal aumentou em R$ 150 bilhões, sendo que em 2011 o aumento em relação a 2010 foi de R$ 78 bilhões.
Da forma como foi aprovado pela Câmara, o projeto manteve a regra atualmente seguida pela União para destinar recursos à área de saúde. Em vez dos 10% da receita corrente bruta definidos pela proposta original, o governo federal aplicará o valor empenhado no ano anterior acrescido da variação nominal do produto interno bruto (PIB) ocorrida entre os dois anos anteriores ao que se referir a lei orçamentária. Assim, para 2012, por exemplo, teria de aplicar o empenhado em 2011 mais a variação do PIB de 2010 para 2011.
CSS
O governo federal vinha condicionando a aprovação dos 10% para saúde, que representariam um investimento-extra de cerca de R$ 35 bilhões anuais, à criação de um tributo para financiar o setor. A Contribuição Social para a Saúde (CSS) funcionaria nos moldes da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF), mas foi retirada do texto durante a votação na Câmara. No Senado, o relator, Humberto Costa, voltou a incluir a criação da CSS no texto.
Mas o líder do DEM, Demóstenes Torres (GO), pediu destaque para que a criação do CSS fosse votada separadamente.
– O somos contra criação de novo imposto – disse.
Em resposta ao relator, Humberto Costa, o líder do PP, senador Francisco Dornelles (RJ), que faz parte da base do governo, afirmou que a CSS nada mais seria do que a recriação – a seu ver, inconstitucional – da CPMF, mas com outro nome. Ele salientou que só seria possível criar uma contribuição cumulativa por meio de uma proposta de emenda à Constituição, e jamais por meio de um projeto de lei complementar.
– Isso abre as portas para uma cascata de novos tributos. Não posso apoiar o governo – afirmou Dornelles, lembrando que a questão da CPMF sempre foi tratada por meio de emenda à Constituição.
Ele foi apoiado não só pelos líderes da oposição, como Alvaro Dias (PSDB-PR) e Marinor Brito (PSol-PA), mas pelos líderes da base. Renan Calheiros (PMDB-AL) e Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), apoiaram Demóstenes e Dornelles. Com isso, o requerimento foi aprovado e a CSS, posteriormente foi retirada do texto. Humberto Costa chegou a defender a manutenção do dispositivo, mas terminou por liberar a bancada:
– Não sou líder de mim mesmo – afirmou.
Gastos com saúde
Na Câmara, os deputados ligados à área de saúde consideraram que a proposta representa um avanço pela definição de quais despesas podem ser consideradas gastos com saúde para que cada ente federativo possa atingir os patamares mínimos definidos pela Emenda Constitucional 29/00.
De acordo com o projeto, são despesas de saúde, por exemplo, a vigilância em saúde (inclusive epidemiológica e sanitária); a capacitação do pessoal do Sistema Único de Saúde (SUS); a produção, compra e distribuição de medicamentos, sangue e derivados; a gestão do sistema público de saúde; as obras na rede física do SUS e a remuneração de pessoal em exercício na área.
Por outro lado, União, estados e municípios não poderão considerar como de saúde as despesas com o pagamento de inativos e pensionistas; a merenda escolar; a limpeza urbana e a remoção de resíduos; as ações de assistência social; e as obras de infraestrutura.
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Regulamentação da Emenda 29 divide senadores em plenário
Durante a discussão do projeto que regulamenta a Emenda Constitucional 29/2000, que define os recursos a serem repassados pelos entes da Federação ao setor de saúde, mesmo os senadores que são médicos de formação, defenderam o projeto original do então senador Tião Viana, com o repasse maior do governo federal para a saúde. O substitutivo da Câmara ao PLS 121/2007 – Complementar mantém as regras atuais, vinculando menos recursos ao setor.
Um deles foi Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR). O senador ressalvou que, embora seja aliado da presidente da República, Dilma Rousseff, votaria favorável à aplicação, na saúde, dos percentuais de 10% do PIB para União, 12% para os estados e 15% para os municípios.
Na mesma linha discursou o senador Paulo Davim (PV-RN), também médico, mostrando que, com o projeto original do Senado, os investimentos na Saúde voltariam a 1995, quando o governo federal aplicava 9,6% da receita corrente bruta do país em saúde.
– Se votarmos o substitutivo da Câmara, não estaremos trazendo recursos novos para a saúde e estaremos rodando em círculos. Mesmo sendo da base do governo eu preciso ser honesto com os meus princípios – disse.
Já o senador Eduardo Braga (PMDB-AM) defendeu o texto apresentado por Humberto Costa, segundo o qual, no lugar dos 10% da receita corrente bruta definidos pela proposta original do ex-senador Tião Viana, o governo federal aplicará o valor empenhado no ano anterior acrescido da variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB) ocorrida entre os dois anos anteriores ao que se referir a lei orçamentária.
Orçamento
O presidente da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO), senador Vital do Rego (PMDB-PB), também defendeu o relatório de Humberto Costa. De acordo com Vital, em 2012, a aplicação dos recursos de saúde será “fundo a fundo”, com transferência direta e sem contingenciamento.
– Esse é o ano da saúde, porque nós colocamos inovações [no Orçamento de 2012], como as emendas de interesse coletivo para 4,3 mil municípios, somando R$ 2,2 bilhões de reais especificamente aplicados em saúde – explicou.
Pelos cálculos do presidente da CMO e, um aumento nas emendas individuais e de bancada fará o orçamento para a saúde crescer mais de R$ 3 bilhões, o que seria, na visão do senador, suficiente para melhorar o atendimento nos hospitais e postos.
Também em defesa do relator falou o senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE). O líder do PSB disse que regulamentar a Emenda 29 é criar “uma regra permanente e definitiva” em relação aos gastos da União na área da saúde, o que dará mais segurança à população. O senador lembrou ter sido relator do PLS 121/2007 na CCJ quando a proposta tramitou no Senado pela primeira vez e disse que, atualmente, são os municípios que arcam com o “peso enorme das despesas na saúde”, pois os estados “maquiam as prestações de contas” e não investem o bastante na área.
Oposição
Ao cobrar que o governo federal se comprometa a destinar mais recursos para a área da saúde pública, a senadora Marinor Brito (PSol-PA) disse que milhões de brasileiros não têm tratamento digno de saúde. Ela afirmou que grande parte do dinheiro público destinado à saúde acaba “servindo à corrupção” no Brasil. O senador José Agripino (DEM-RN) também questionou a falta de profissionais da saúde nos hospitais públicos. Em seu entendimento, a receita perdida com o fim da CPMF já foi reposta. A questão agora não seria mais de falta de recursos, mas de prioridade em sua aplicação.
O senador Demóstenes Torres (DEM-GO) voltou à campanha eleitoral para lembrar que, à época, os principais candidatos à Presidência da República, Dilma Rousseff, Marina Silva e José Serra, disseram ser a favor da regulamentação da EC 29, da maneira como foi proposta pelo Senado. O líder do DEM criticou a mudança de opinião da presidente Dilma sobre o tema. Demóstenes enfatizou ainda que prefeituras e governos estaduais, mesmo sem dinheiro, estão honrando os percentuais definidos na emenda constitucional.
Depois de também citar as promessas de campanha da presidente Dilma sobre a Emenda 29, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) afirmou que o texto original do projeto permitiria ao país ter, de forma definitiva, uma base segura de recursos para a saúde pública no Brasil. Aécio destacou que, desde 2000, nenhuma área do governo teve queda tão significativa de recursos quanto à saúde, havendo ainda decréscimo dos recursos nos últimos dez anos.
– Deve haver uma regra clara para que o governo faça o planejamento necessário. Se estados e municípios têm seus pisos mínimos, a União deveria ter também. Vivemos a mais perversa concentração de receitas na União em toda a história republicana. Esse é o momento adequado para enfrentar esse drama que afeta milhões de brasileiros – afirmou.
O senador Randolfe Rodrigues (PSol-AP) exaltou a conquista de um sistema de saúde universal e integral, com a Constituição de 1988, mas alertou: sem a aprovação do texto original, é melhor retirar as palavras “universal” e “integral” da Constituição. Segundo o parlamentar, que reafirmou o compromisso de seu partido com a saúde pública de qualidade, sem a ampliação e a vinculação do financiamento para a saúde, o atendimento se tornará algo somente para quem tem dinheiro.
– A necessidade de mais dinheiro para a saúde é imposta pelo nosso crescimento demográfico. Senão, vamos amplificar o caos que já assistimos hoje no SUS, vamos condenar milhões a não ter atendimento de saúde – afirmou.
O senador José Agripino (DEM-RN) cobrou coerência dos senadores na votação. Em sua avaliação, a Casa deveria votar do mesmo modo quando aprovou em 2008 o projeto original, destinando 10% da receita bruta da União para a saúde.
– Sabe qual foi o escore da votação [da regulamentação da Emenda 29] no Senado? Foi a zero. Nenhum voto contra. Foi para Câmara e fizeram o que a gente recebe agora – disse.
Gestão
Já o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) afirmou que os problemas do setor de saúde pública no Brasil não são causados apenas pela falta de recursos, mas principalmente pela má gestão das verbas disponíveis.
Na opinião de Ivo Cassol (PP-RO), que já foi prefeito e governador, a grande maioria dos municípios já investe percentuais superiores aos 15% previstos pelo projeto. Ao se dizer favorável à instituição de percentuais para os estados e municípios, o senador afirmou que todos deveriam investir muito acima do mínimo previsto para garantir melhores patamares na área de saúde.
A senadora Lúcia Vânia (PSDB-GO) argumentou que, mesmo sendo altos os números de atendimentos do SUS, o Brasil gasta menos 42% com saúde que a vizinha Argentina. Salientou também que o próprio ministro da Saúde, Alexandre Padilha, admitiu a necessidade de mais R$ 45 bilhões anuais para atingir patamares similares a Argentina e Chile.
– Em contraste, a Organização Mundial de Saúde (OMS) assinala que o Brasil está entre os países que menos investe em saúde, apenas 7,5% de seu orçamento. É imperioso, portanto, aprovarmos essa regulamentação – disse.
O senador Jayme Campos (DEM-MT) disse que o texto original, ao fixar percentuais mínimos, faria com que “a vergonhosa situação da saúde pública começar a ser revertida”. Ele salientou que mais de 90% da população utiliza o SUS, mas a saúde brasileira está ficando cada vez mais privada.
O senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA), foi na mesma linha.
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