21/07/2019 00:00
Por Italo Wolff
A aproximação do mercado financeiro é descrita como temerária, pois deixaria a ciência de base sem orçamento
No dia 17, o Ministério da Educação (MEC) lançou, via live no Facebook, o programa “Future-se”. A proposta, que passa por consulta pública até o dia 15 de agosto, tem a promessa de aumentar participação privada no ensino superior como forma de financiar pesquisa, geração de tecnologia, ensino e extensão. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, descartou boatos de cobrança de mensalidade e afirmou que, para ter acesso a benefícios do programa, é necessário a adesão integral dos Institutos ao programa.
A legislação alterada pelo programa passará a permitir a parcerias público-privadas, criação de fundos imobiliários para aplicação na educação, cessão do patrimônio universitário para investimento em fundo financeiro, “naming rights”, e outros. Entretanto, as soluções para aumentar o orçamento das universidades vêm atreladas à medidas percebidas por sindicatos e autoridades da educação como retirada de autonomia.
Menos autonomia
Nelson Amaral, assessor especial da Reitoria da Universidade Federal de Goiás (UFG) afirmou – assim como o reitor Edward Madureira ao Jornal Opção – que com o atual nível de detalhamento das propostas é impossível saber, mas que o Future-se está sendo estudado. Nelson Amaral diz ser da alçada do Ministério fazer planos de investimento para aplicar na educação, mas que se preocupa com a autonomia da Universidade.
“Você tem a universidade e os ministérios”, elucida Nelson Amaral. “As Organizações Sociais (OSs) orbitam ministérios, não orbitam universidades. As universidades têm fundações que já fazem captação de recursos para complementar o orçamento, e todo outro tipo de relação com a sociedade. Se uma empresa quer investir na universidade, ela já pode fazer isso via fundação. Agora, as OSs vão trabalhar junto a um comitê gestor vinculado ao MEC, em Brasília. Isso é perda de autonomia universitária”.
O assessor especial da reitoria também afirmou que o plano é vago. “Não explicam o que entendem pelo termo ‘gestão’. Por exemplo: a segurança dos prédios, que depende da sociedade ao redor do campus e de seu desenho, isso também vai estar na jurisdição do MEC, longe da universidade? Nada está claro ainda”. Sobre a gestão, Edward Madureira afirmou que “Nós não temos dinheiro e conseguimos sobreviver. Não conseguimos entender como as OSs pretendem fazer mais do que nós”.
Concorda com ele Fernando César, diretor do sindicato dos trabalhadores técnico-administrativos em educação das instituições federais de ensino superior do estado de Goiás (Sint-Ifes). Ele afirma que vê o programa como uma ameaça à autonomia universitária, já que as OSs iriam gerir toda a universidade como a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares gere o Hospital das Clínicas, por licitação e de longe.
Fundos Privados
Ainda não foram definidos os aportes, taxas e proporções referentes ao “Fundo soberano do conhecimento”. No dia 17, o fundo foi apresentado como “uma receita privada negociada em bolsa, como um fundo multimercado, e também envolvendo fundo de investimento e participação”. O aporte de capital privado, a verba proveniente da exploração dos parques tecnológicos, patentes e royalties está relacionado a este fundo, que seria distribuído às instituições.
Venda de imóveis ociosos, endowment, “Naming Rights” são algumas das promessas para aumentar a verba das instituições. Fernando César vê com preocupação o fato de esses recursos não virem de fundos públicos. “Em governos passados, sabíamos quanto dinheiro receberíamos pela previsão dos royalties do petróleo. Venda de patrimônio é uma solução limitada, a noção de que o mercado investirá em fundos é temerário”.
O diretor do Sint-Ifes também lembra que a ciência de base e cursos sem atratividade do mercado, como História, por exemplo, não irão atrair parcerias público-privadas. “O projeto é muito mais de financiamento de empresas aos cursos, o que pode ser uma forma de financiar cursos mais próximos ao mercado, mas não é um projeto de educação”, afirma ele.
Segundo levantamento do Jornal da Universidade de São Paulo (USP), o dinheiro que financia a pesquisa em países desenvolvidos é público. “No caso dos Estados Unidos, 60% do dinheiro para a pesquisa vêm dessa fonte; na Europa, 77%”, segundo a matéria. Também é lembrado que, o modelo de “endowment” (doações) pode funcionar para Harvard, mas essa universidade é uma exceção com 6.700 alunos na graduação enquanto a USP tem 59 mil – e mesmo assim, a maior parte de seu financiamento vem de fontes públicas.
Flávio Alves da Silva, presidente do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Goiás (Adufg) também foi demonstrou preocupação com a possibilidade de a concorrência pela captação de recursos do setor privado gerar uma competição nociva à educação.
Publicação e imagem: https://www.jornalopcao.com.br/reportagens/future-se-197871/