Por Christian Lindberg*
Não resta mais dúvida de que os atuais inquilinos da Esplanada dos Ministérios possuem certa ojeriza em relação as universidades federais. Classificam-nas como locais para balbúrdia e doutrinação político-partidária, mesmo não apresentando nenhum indicador factual para comprovar as próprias afirmações.
Soma-se a esta constatação anticientífica, o fato de afirmarem que a universidade federal é cara e improdutiva, ou, se preferir, como disse o ministro da Educação, Abraham Weintraub, “a universidade pública custa 10 vezes mais para a União do que um estudante matriculado em uma creche.”
Sabe-se, também, que o governo tem sido categórico ao assegurar que a prioridade da sua gestão no campo educacional será fortalecer a educação básica, nem que isso custe o sacrifício financeiro das universidades federais.
Recupero estas informações para cotejar, de modo especulativo, as informações apresentadas por alguns jornais e pela própria equipe do MEC nos últimos dias.
A começar pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL). Na última quinta-feira (11), ao se reunir com deputados da bancada evangélica para comemorar a aprovação da reforma da previdência, ele disse que “coisas absurdas tem acontecido ainda dada a autonomia das universidades. O aparelhamento não é só de pessoas, é de legislação.” Para exemplificar, citou a forma como as universidades federais escolhem o reitor.
No último domingo (14), o ministro Abraham Weintraub (MEC), em sua conta no twitter, postou que apresentará um modelo moderno de financiamento para as universidades federais, que, segundo ele, terá a adesão voluntária, “permitindo separar o joio do trio”. Acrescentou que “a graduação não será paga pelos alunos das federais […], porém, a rápida deterioração das contas vistas nos últimos anos será interrompida” e fechou a sequência de postagens afirmando que “haverá mais liberdade para a pesquisa e trabalho.”
Em um primeiro instante, parece-me que o governo vai encampar a regulamentação do artigo 207 da Constituição, reivindicação antiga dos reitores das universidades federais.
No entanto, falar em autonomia universitária sem ter a garantia futura de financiamento público. O que causa certa apreensão é que temos um ministro da educação vira youtuber para defender o corte de recursos e tem sido enfático ao dizer que investir 10% do PIB em educação, como versa o Plano Nacional de Educação (PNE) é descabido.
Feito estas pequenas considerações, a impressão que se tem, ao ler o noticiário e o depoimento dos assessores do MEC, é que o governo proporá um modelo de financiamento para a universidade federal que se assemelha ao modelo australiano.
Na Austrália, desde o final do século passado, adota-se o modelo denominado Empréstimos com amortizações condicionadas à renda futura (ECRs), nome pomposo, mas que significa a cobrança futura pelos estudos obtidos nas universidades públicas.
O mecanismo funciona da seguinte maneira: a gratuidade na graduação é mantida. Contudo, após a conclusão do curso, haverá a cobrança de uma taxa por parte dos egressos que tiverem uma renda salarial acima de um patamar previamente estabelecido, funcionando como um imposto compulsório.
As consequências podem ser várias. Citarei as que possivelmente acontecerão. Este modelo de financiamento não garante a gratuidade na pós-graduação (mestrado e doutorado), que pode ser financiada através da venda de pesquisas para a iniciativa privada. Cursos de extensão serão pagos, algo que foi comum durante o governo FC (PSDB).
Estas duas medidas seriam uma forma, na opinião do MEC, de a universidade dar mais resultados para a sociedade, estreitando seus laços com o setor produtivo. Além disso, ao não depender exclusivamente dos cofres públicos, as universidades federais contribuiriam com a dinâmica imposta pelo ajuste fiscal.
Do ponto de vista da gestão administrativa, as universidades terão a liberdade para contratar funcionários (técnicos-administrativos e docentes), possibilidade factual por conta da atual legislação trabalhista brasileira. Isso pode significar a contratação de professores horistas para ministrar aulas e o aprofundamento da terceirização nas funções administrativas, reduzindo os custos com a mão de obra e dando liberdade para o reitor demitir funcionário na hora que lhe convir.
A tendência é que haja a multiplicação de mecanismos de controle. Sistemas informatizados serão utilizados para interferir profundamente no trabalho universitário do dia-a-dia, incorporando a desconfiança da força de trabalho, tudo em nome da eficiência e transparência.
Soma-se a estes aspectos de estão a escolha para dirigentes das universidades federais. Não seria estranho se o governo propusesse o fim da lista tríplice para a escolha do reitor e a supressão de itens relacionados a gestão democrática. Na “visão empresarial” de Weintraub, democracia é um valor que contraria a eficiência, visto que ela é carregada de viés político-ideológico.
Este conjunto de medidas tem sido construído através de uma parceria que envolve o Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados (IPEA) e o próprio MEC. Não por acaso, realizaram um seminário em março para discutir modelos de financiamento do ensino superior brasileiro.
Do ponto de vista conceitual, parece que o economista Milton Friedman tem influenciado tais posições. No livro Capitalismo e liberdade, o expoente da Escola de Chicago afirma que a educação formal é financiada majoritariamente pelo Estado, o que acarreta prejuízos fiscais por conta de sua extensão indiscriminada.
Ele aponta que a educação impacta de duas formas na vida dos indivíduos. Uma repercute na vida de todos os cidadãos e a outra que só traz benefício ao próprio indivíduo.
Denominada de educação vocacional, o ensino superior beneficia apenas o indivíduo, trazendo-lhe a expectativa de anos financeiros futuros. Partindo do diagnóstico de que financiar a universidade pública causa injustiças sociais, Friedman defende que a cobrança de taxas e a concessão de bolsas para os estudantes mais pobres e inteligentes tendem a ser mecanismos mais eficazes. Como diz, “as escolas governamentais que continuarem em funcionamento deveriam cobrar anuidades que cobrissem os cursos educacionais.” Para ele, a qualificação obtida na graduação e o consequente ganho salarial futuro compensa os pagamentos feitos durante a juventude.
Em resumo, a verdadeira intenção, caso se consolide esta proposta do MEC, é retirar o direito ao ensino superior gratuito. Este mecanismo denominado ECR em nada contribuirá para dirimir as desigualdades que assolam nosso país, pelo contrário, tende a aumentar o fosso entre ricos e pobres, causando mais injustiças sociais.
*Christian Lindberg é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Sergipe. E doutor em Filosofia da Educação pela UNICAMP, com pós-doutorado em Educação (UNICAMP). Foi diretor da UNE entre os anos de 1999-2003.
Fonte e imagem: www.vermelho.org.br