Hoje, 15 de outubro, o Brasil volta os olhos para quem sustenta a escola de pé. Não por acaso: foi uma professora — e a primeira deputada estadual negra do país — quem acendeu essa luz no calendário.
Hoje, 15 de outubro de 2025, é Dia dos Professores — uma data que não nasceu do acaso. Tem raízes no gesto político de Antonieta de Barros, educadora e primeira deputada negra do país, que em 1948 instituiu em Santa Catarina o 15 de outubro como o dia de celebrar quem ensina; anos depois, o decreto federal de 1963 tornou-o feriado escolar em todo o Brasil. Não é pouca coisa: foi uma mulher negra, professora, quem ajudou a fincar no calendário a relevância pública do magistério. O simbolismo é grande. O desafio, maior ainda.
Do outro lado da porta da sala de aula, a cena se repete: turmas cheias, infraestrutura capenga, jornadas que invadem a noite, e um emaranhado de contratos temporários que virou regra em boa parte das redes estaduais e uma tendência crescente nas municipais. A lógica é conhecida: vínculo frágil, salário achatado, pouca previsibilidade e, ainda assim, cobrança por resultados “de excelência”.
Porque a realidade que atravessa as salas de aula, do Oiapoque ao Chuí, fala alto: precarização virou regra — especialmente no ensino fundamental das redes estaduais e municipais. Pela primeira vez, em 2022, os estados passaram a ter mais docentes temporários que efetivos; em 2023, o quadro se consolidou (51,6% temporários nas redes estaduais). Nas redes municipais, os efetivos ainda são maioria, mas os temporários já somam cerca de um terço (34%), num movimento que cresce ano a ano. É a ponta visível de um modelo que troca estabilidade por rotatividade e vínculos frágeis — e pede de volta resultados robustos.
Essa engenharia laboral tem consequências humanas. A docência no Brasil consome energia mental e física acima da média internacional: 16% dos professores relatam impacto negativo na saúde mental (versus 10% na OCDE) e 12% na saúde física (versus 8%). Some-se a isso o desgaste cotidiano de “apagar incêndios” — perdemos, em média, 21% do tempo de aula apenas para manter a disciplina. Não é trivial chamar isso de insalubridade psíquica e física. É preciso nomear.
A violência também entrou na conversa de maneira brutal. Quando a escola vira alvo, quem faz a mediação do mundo — professoras e professores — é quem primeiro recebe o impacto. Entre o medo e a responsabilidade, sobra pouco espaço para a serenidade mínima que o ato de ensinar exige. E isso corrói silenciosamente a vontade de permanecer. Não dá para fingir que a periculosidade não existe. Entre 2022 e 2023, ataques em ambiente escolar vitimaram dezenas de pessoas e as denúncias de violência no contexto escolar cresceram; o próprio governo federal montou força-tarefa e políticas de enfrentamento. Quando a escola vira cenário de hostilidade, quem está na linha de frente — professoras e professores — absorve o choque antes de todos.
Nesse cenário, volta à pauta a reforma administrativa. O pacote que circula no Congresso deixa um nó na garganta da educação básica e reacende pontos sensíveis: performance como eixo de progressão, novos critérios para concursos e ampliação das regras de vínculos temporários. Entidades sindicais alertam para o risco de institucionalizar a precarização; defensores dizem que é modernização do Estado. Qualquer que seja o rótulo, o efeito sobre a escola pública é concreto: se a rede já se apoia maciçamente em contratos temporários, mexer nas engrenagens sem blindar carreira e condições de trabalho tende a agravar aquilo que já é frágil, sobretudo num lugar que crianças e jovens dependem da escola pública para tudo.
No ensino superior, o retrato também preocupa. Universidades e institutos federais são sustentados por um tripé de pessoas — docentes, discentes e TAEs. Os técnico-administrativos em educação têm carreira própria (PCCTAE, Lei 11.091/2005) e ocupam funções essenciais, de laboratórios a projetos de extensão; com frequência, participam de processos formativos e até assumem atividades docentes, sobretudo em práticas de laboratório e ações de capacitação, ou seja, mantém a máquina funcionando. Quando o orçamento aperta, eles também adoecem — e, quando a gestão precariza, a sala de aula sente: mais adoecimento, mais desânimo, menos horizonte.
Antonieta de Barros pensou o 15 de outubro como um gesto de reconhecimento e não como um dia de resistência permanente, como essa data se tornou para muita gente. Reconhecer, hoje, é mais do que postar uma homenagem nas redes: é vincular a defesa da saúde mental, da segurança e da carreira docente a um projeto de Estado. É discutir reforma administrativa com dados da escola na mesa, não com planilhas que ignoram o humano. Humanizar aqui significa sair do “parabéns” e dar garantias para que a docência aconteça, que os profissionais continuem, e para isso acontecer reduzir a dependência de temporários, cumprir a meta de efetivos, valorizar quem está na linha de frente, dar tempo pedagógico, rede de apoio em saúde e segurança e devolver previsibilidade à vida de quem ensina, sem fazer com que a carreira se desmanche a cada ciclo eleitoral, é fazer da gestão uma aliada e não um obstáculo.
E se, antes de “cobrar resultados”, a gente se perguntasse que país cabe numa sala de aula onde metade dos professores não sabe se terá trabalho no próximo semestre, onde 1/5 do tempo se perde disciplinando e onde ensinar adoece? Se a resposta for “o Brasil que queremos”, algo está muito errado. O que você, do seu lugar — eleitor/a, gestor/a, pai/mãe, estudante — está disposto/a a defender, mudar e cobrar hoje para que o dia das/os professoras/es volte a ser celebração de futuro, e não um lembrete de sobrevivência?
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