Uma Coreia do Sul dentro do ensino público brasileiro. Segundo os resultados mais recentes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA), de 2015, se a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica fosse um país, ele estaria na 11.ª colocação, nas áreas analisadas – matemática, leitura e ciências- e à frente de países como Estados Unidos, Alemanha e do próprio Brasil. Em 2018, a Rede comemora os dez anos dos Institutos Federais (IF’s) com a consolidação de um amplo projeto de expansão que inclui, entre os anos de 2003 e 2016, a entrega de 500 novas unidades, totalizando 644 campi em funcionamento. A estrutura está inserida em 38 IF’s presentes em todos os estados, dispondo de cursos de qualificação, ensino médio integrado, cursos superiores de tecnologia e licenciaturas.
A história do Conselho da Rede está intimamente ligada à dos IF’s, que começa exatamente no dia de 29 de dezembro de 2008, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a n 11.892, responsável por instituir a Rede Federal e transformar em um só organismo as estruturas de 31 centros federais de educação tecnológica (Cefets); 75 unidades descentralizadas de ensino (Uneds); 39 escolas agrotécnicas; sete escolas técnicas federais; oito escolas vinculadas a universidades. As raízes do ensino técnico profissional, contudo, já estavam bem fincadas há muito mais tempo.
Conforme lembra Anália Ribeiro, reitora do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), a Rede Federal existe desde 1909, ano em que o presidente Nilo Peçanha ergueu, em apenas três meses, as primeiras 19 escolas de Aprendizes e Artífices, que revolucionariam a educação de um país de herança escravista, no qual o trabalho manual e o conhecimento técnico eram desprezados em detrimento da supervalorização do diploma universitário. “As escolas são a origem dos Centros Federais de Educação Profissional e Tecnológica (Cefets). A perspectiva do governo Nilo Peçanha era a de inserir pessoas dos estratos mais pobres da sociedade no mercado de trabalho. A inclusão está na genética da educação profissional no Brasil”, afirma Anália.
De acordo com a reitora, o surgimento dos Institutos Federais também é produto de uma mudança de mentalidade em relação à formação no ensino técnico, oriunda de debates intensificados a partir do ano de 2003. “Ganhou força a perspectiva de que a qualificação técnica deve vir acompanhada de outros tipos de qualificação e formação. O que importa para nós, além de formar um técnico para o mercado, é formar um ser humano”, explica. Assim, os IF’s constituíram-se a partir de novos princípios, a exemplo da verticalização, isto é, a visão de que é necessário incentivar o estudante a buscar formação continuada. “Já há casos, em alguns IF’s, em que o estudante começou no ensino médio integrado, depois fez graduação, mestrado e doutorado. Alguns cursos no IFPE já oferecem mestrado”, completa.
Para Anália, a formação continuada auxilia os estudantes a se adaptarem, por exemplo, a um mercado cada vez mais automatizado. “Nosso aluno apropria-se simultaneamente da técnica e do fundamento científico, estando apto a continuar mantendo-se atualizado. Além disso, temos vários cursos voltados para a questão da automação, oferecendo a iniciação científica para que sejam desenvolvidos produtos aliando as tecnologias da informação e da comunicação com a mecânica, por exemplo”, completa.
Nesse sentido, os números da extensão e da pesquisa são expressivos. Em 2008, o IFPE possuía apenas 12 estudantes de iniciação científica, enquanto o número atual é de 352 alunos. Já o número de projetos de extensão cresceu de 31 projetos com 52 bolsistas, em 2010, para 191 projetos com 315 bolsistas. “A força do nosso programa de iniciação deriva do forte investimento que fazemos em formação de professores, que contam com grande facilidade de liberação para mestrado e doutorado, posteriormente orientando estudantes de nível médio. No mais, como atendemos o substrato mais pobre da sociedade, sabemos da importância das bolsas”, conclui Anália.
No caso do IFPE, a maior parte dos cerca de 24 mil alunos matriculados é oriunda de famílias cuja renda não ultrapassa um salário e meio per capita. “Isso significa uma mudança social significativa, porque a partir da educação nossos alunos não só conseguem mudar suas vidas, como a de suas famílias”, completa Anália. Pernambuco, aliás, entre os IF’s, é o que estado do país que possui o maior número de estudantes indígenas. “Só no campus Pesqueira, nós temos mais cem alunos do povo Xucuru. Também atuamos junto a outros grupos vulneráveis, como campesinos, quilombolas e assentados, além de termos um convênio com a Funase (Fundação de Atendimento Socioeducativo), a partir do qual trabalhamos com cursos de formação continuada para menores em processo de ressocialização”, conclui a reitora.
Conexão com os diferentes mercados
Ao longo de seus dez anos de atuação, os IF’s intensificaram suas relações com os arranjos produtivos das localidades onde cada campus está inserido. Em Pernambuco, por exemplo, é claro o direcionamento da estrutura em Olinda para a economia criativa e as artes, propulsores do desenvolvimento local. Durante a chamada “expansão dois”, mais três campi foram construídos na perspectiva da interiorização (Afogados, Caruaru e Garanhuns), cada um deles desenvolvido com foco em uma área diferente.
Já na “expansão três” foram criados sete novos campi, um em Palmares e os outros seis na Região Metropolitana do Recife (RMR), que buscavam atender à grande demanda do mercado por mão de obra técnica após um “boom” de investimentos feitos no estado. “Assim como, devido à proximidade com Goiana, os campi Igarassu e Paulista se voltam para os negócios, administração, controle de qualidade, logística e tecnologias da informação e comunicação”, conclui a reitora do IFPE.
Como política de estado, os IF’s compõem a Lei Orçamentária Anual da União (LOA), além de possuírem marcos (um acordo de metas estabelecidas pelo Ministério da Educação (MEC), que vale por determinado período) que norteiam sua atuação. Apesar de se tratarem de uma política pública, os IF’s não possuem exatamente um orçamento fixo. “O MEC distribui para a rede um determinado orçamento, mas não é segredo que, atravessando isso, existe a emenda constitucional do teto dos gastos públicos, que congela os investimentos do país em educação. É algo que precisamos considerar no atual cenário, até porque o número de alunos vem crescendo significativamente”, alerta Anália.
Só no IFPE, são seis novos campi em construção, dois deles com previsão de inauguração para este ano, tendo finalmente a perspectiva de funcionarem com a sua total capacidade. Apesar disso, a reitora lembra que novas expansões demandam determinadas condições, como a contratação de docentes e corpo técnico administrativo compatível com a estrutura física. No segundo semestre de 2019, também devem ser entregues as sedes definitivas de Jaboatão dos Guararapes e Paulista. “Mas não é só o prédio. Eu também preciso comprar laboratórios, equipamentos de sala de aula, dentre outros. É de extrema importância que o orçamento seja ampliado. São desafios que o país precisa enfrentar”, defende.
Fonte:Leiaja