Por Patricia Veiga. Criada em 18/08/17
Debate ocorreu nesta quinta-feira, no Instituto de Matemática e Estatística, com o consenso de que denunciar é preciso
Texto: Patrícia da Veiga
Fotos: Adriana Silva
Ameaça velada ou explícita, piada depreciativa, tentativa de desmoralização, humilhação pública, silenciamento, cerceamento, importunação, agressão física e sexual: muitas são as ações que configuram assédio. E muitos são os casos que vêm à tona quando o assunto está em pauta. Por esse motivo, o Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás realizou na quinta-feira (17/8) o evento “IME-UFG debate: assédio moral e sexual no ambiente acadêmico”.
O encontro teve como objetivo discutir os seguintes aspectos: formas de assédio, mecanismos de denúncia, trâmite processual e medidas empreendidas pela UFG com vistas a promover a saúde das pessoas vítimas de assédio. Para tanto, foram convidados a falar a pró-reitora de Graduação, Gisele Gusmão, a jornalista Denise Ribeiro, que atua na Ouvidoria da UFG, o advogado Tancredo Silva, da Coordenação de Processos Administrativos (CDPA), e as psicólogas Lívia Sousa e Viviane Sousa, ambas vinculadas ao Departamento de Desenvolvimento e Recursos Humanos (DDRH). Também esteve presente, na plateia, o ex-reitor Edward Madureira Brasil, eleito novamente para o próximo quadriênio (2018 – 2021).
A pró-reitora iniciou a roda de conversa apresentando a Resolução n° 12/2017, que “dispõe sobre normas e procedimentos a serem adotados em casos de assédio moral, sexual e quaisquer formas de preconceito” no âmbito da universidade. Ela foi relatora do documento no Conselho Universitário (Consuni) e narrou brevemente o contexto no qual ele foi elaborado e discutido: “Lembramos bem de quando a Reitoria foi ocupada por um grupo que se denominava As Minas na Reitoria. Ali, naquele momento, escutamos várias denúncias absurdas do que acontecia nas relações em sala de aula e entre colegas. Assim surgiu a Resolução”. Antes disso, já havia denúncias e debates, mas a atuação política das estudantes fez com que os integrantes do Consuni passassem a pesquisar e a discutir o tema de forma concreta. O resultado foi a elaboração de uma carta que identifica práticas, até então, silenciadas no cotidiano universitário. Inédita entre as instituições federais de ensino superior do país, a iniciativa deve agora ser tornada pública de forma ostensiva. “O importante é que cada um leia e tenha conhecimento de seus direitos e deveres”, afirmou a professora Gisele Gusmão.
Saber o que diz o dispositivo normativo pode ser um primeiro passo para o reconhecimento dos casos de assédio, mas importante mesmo é denunciar, tornar público. Nesse sentido, a Ouvidoria da UFG se faz um instrumento fundamental. A jornalista Denise Ribeiro definiu o órgão como um canal de interlocução entre o cidadão e a instituição, cuja função é administrativa e não punitiva. “Nosso papel é receber as demandas, respondê-las, encaminhá-las e fornecer subsídios para procedimentos futuros, sempre com foco na melhoria do serviço público”, explicou. Ela destacou que a Ouvidoria faz relatórios periódicos a respeito de sugestões, reclamações e denúncias que recebe e isso serve como um alerta aos gestores. “Muita gente diz que não adianta denunciar, que não vai dar em nada. Pelo contrário, nós precisamos disso para melhorar”.
Denise apresentou informações sobre demandas recebidas em 2016 e 2017 e constatou que a quantidade de reclamações e denúncias vem aumentando. Segundo ela, isso não é porque as relações na universidade estão piores, mas sim porque as pessoas estão tendo mais consciência de seus direitos e seus canais de comunicação. Outra característica interessante é que o público externo, cada vez mais, tem procurado a Ouvidoria da UFG. “Atuamos em ordem cronológica e atendemos as demandas conforme elas aparecem. Mas nos casos de assédio, encaminhamos como prioridade para que sejam tomadas providências”, detalhou.
Ao saírem da Ouvidoria, as denúncias passam por um processo inicial de apuração no próprio gabinete do reitor e depois têm como destino a Coordenação de Processos Administrativos (CDPA). Ali são abertas sindicâncias para investigação e, conforme a comprovação dos fatos, também são instaurados processos administrativos disciplinares contra as pessoas acusadas de assédio. “Precisamos de dois quesitos básicos para averiguar as denúncias: a materialidade e a indicação de autoria. A pessoa que está denunciando deve reunir os indícios e às vezes até uma conversa de Whatsapp vale como prova. São formadas comissões para avaliar cada caso e quando um processo é aberto já significa que haverá uma medida de correção ou punição”, descreveu Tancredo Silva, advogado da CDPA.
Causas e consequências
Conforme Tancredo, o assédio pode ser da ordem dos seguintes grupos de ações: “deterioração proposital das condições de trabalho; isolamento e recusa de comunicação; atentado contra a dignidade; implicância com crenças religiosas; ameaça de violência física; perseguição ou difamação virtual e assédio sexual”. Esses pontos levantados representam uma infinidade de comportamentos que têm em comum o caráter violento da sociedade brasileira. “Vivemos relações opressoras e de desrespeito ao longo da história deste país. É algo estrutural que devemos enfrentar”, declarou Lívia Sousa, psicóloga que atua no Núcleo de Atendimento Psicológico do DDRH. Para ela, é inegável que há tensões entre as diferentes categorias ou os diversos vínculos que as pessoas estabelecem com a universidade (professores, técnicos administrativos, estudantes, terceirizados e público externo) e, portanto, é preciso investir em uma formação que valorize as relações de cooperação. “O assédio moral é extremamente danoso, fere a subjetividade, os ideais, os sonhos, a trajetória de cada ser”, defendeu.
Coordenadora do Programa Saudavelmente, Viviane Sousa apresentou as consequências do assédio moral e sexual na vida das vítimas. “Síndrome do pânico, dificuldade de adaptação, baixa autoestima, depressão, angústia, mal-estar físico e mental, cansaço exagerado, insônia e pesadelo, isolamento e tristeza, uso de álcool ou drogas, diminuição da concentração e até mesmo tentativas de suicídio fazem parte do cotidiano das pessoas que sofrem esse tipo de violência”, listou a profissional. Ela, que atende sobretudo estudantes, se depara com casos graves regularmente e, deste modo, chamou a atenção da plateia no sentido de evitar comportamentos como a naturalização. “Isso prejudica ainda mais a apuração das denúncias”, reforçou.
O medo da exposição ou o medo de sofrer perseguição também são impedimentos para que uma denúncia de assédio vá adiante. Por isso, é responsabilidade do Saudavelmente acolher, ouvir e acompanhar a vítima, encorajando-a a encarar seu agressor. “É preciso ter coragem”, finalizou a professora Gisele Gusmão, reiterando de que somente a exposição e a conscientização podem resolver o problema. Após a fala dos convidados, o debate foi aberto para a participação da plateia, que solucionou dúvidas e expôs situações de angústia.
Fonte : Ascom/UFG