Por Moacir Gadotti*
Em 1917, o filósofo italiano Antonio Gramsci publicou na revista La Città Futura um artigo de título “Os indiferentes”. Ele o abre com uma declaração contundente: “Viver significa tomar partido. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão, e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida”. Suas palavras são muito atuais se considerarmos essa cultura da indiferença que está sendo pregada por movimentos como o Escola Sem Partido.
Nos manuscritos da Pedagogia do oprimido, Paulo Freire apresenta um quadro explicativo de duas culturas quando fala de uma “teoria da ação dialógica” e uma “teoria da ação anti-dialógica” que fundamentam, respectivamente, a “educação problematizadora” e a “educação bancária”.
A primeira leva à humanização e caracteriza-se pela “colaboração, pela união, pela organização e pela síntese cultural”. A segunda à “manutenção objetiva da opressão” e caracteriza-se pela “conquista, pela divisão do povo, pela manipulação e pela invasão cultural”.
Tivemos muitas conquistas nessas últimas décadas, mas não conseguirmos construir uma cultura de solidariedade, de companheirismo. Ao contrário, estamos construindo, perigosamente, uma cultura da delação e ignoramos a necessidade de formação para uma cultura cidadã.
A importância da Educação Popular tem sido minimizada. Com isso, a base social de resistência ao poder das elites ficou enfraquecida. Empoderar os mais empobrecidos é organizá-los e, para isso, precisam de formação política. “Ninguém luta contra forças que não entende”, dizia Paulo Freire.
O Escola sem Partido começou como um movimento fundado por um procurador do Estado de São Paulo, Dr. Miguel Nagib, para estimular a delação de alunos que supostamente estariam sendo doutrinados por professores, ameaçando-os com processos. Segundo o Escola Sem Partido, os professores formariam um exército de militantes em favor da “doutrinação marxista, esquerdista”.
Projetos de leis para regular o ensino e processar professores já estão sendo discutidos no Congresso bem como em vários estados e municípios. No Estado de São Paulo, o deputado Aldo Demarchi (DEM) apresentou um projeto de lei que alega combater a prática da doutrinação política. Felizmente, a Comissão de Educação e Cultura da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo acaba de rejeitá-lo. Um projeto de lei na Câmara dos Deputados (PL1411/2015) apresentado pelo deputado Rogério Marinho (PSDB/RN) tipifica o crime de “assédio ideológico” em sala de aula, prevendo penas de até um ano de prisão, além de multas aos professores.
Há ainda outros projetos que punem professores que abordarem questões de gênero na sala de aula. A estratégia da Escola sem Partido é tipicamente fascista: intimidar e criar o medo entre os professores para alcançar seus fins e objetivos ideológicos.
O objetivo desse movimento é silenciar vozes, criminalizando o trabalho docente; é perseguir, demitir e até prender os docentes que defendam uma visão de mundo contrária ao status quo e colocar a educação a serviço dos interesses do mercado.
A expressão “Escola sem partido” e “Escola de partido único” são sinônimos. Trata-se de uma escola sem pluralidade, sem liberdade, sem diversidade, sem inclusão, sem democracia, uma escola que segrega, que discrimina, que reprime.
Além disso, o movimento da Escola Sem Partido é um movimento a favor da privatização da educação. Primeiro desqualifica a escola pública para, depois, propor “recuperar” essa escola por meio da gestão privada ou dos critérios privados de institutos e fundações empresariais. A Escola sem Partido é apenas mais uma tentativa de destruir a Escola Democrática, a Escola Cidadã, uma conquista da Constituição de 1988 e da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996.
É verdade, educar não é adestrar. Todo proselitismo, toda doutrinação devem ser combatidos na escola. Mas é dever do professor formar cidadãos fomentando o debate e a discussão sobre valores na escola. Os temas transversais dos Parâmetros Curriculares Nacionais foram introduzidos para isso. A diversidade cultural e a discussão de gênero devem fazer parte desta formação cidadã como acontece na quase totalidade dos sistemas educacionais do mundo, impulsionados por orientações da Unesco.
A Escola sem Partido é a expressão da falta de espírito crítico e de reflexão que permeia escola e sociedade. Nossa pedagogia não é reflexiva e crítica. É dogmática, “bancária”, na expressão de Paulo Freire. Na falta de argumentação o que se observa é a ofensa, o preconceito, quando não o ódio e a intolerância.
*Moacir Gadotti, presidente de honra do Instituto Paulo Freire e professor aposentado da Universidade de São Paulo.
Fonte: CTB